ÓRGÃO ESPECIAL
RESOLUÇÃO
ADMINISTRATIVA Nº 38/2023
(Disponibilizado em 13/6/2023 no DEJT, Caderno Administrativo)
Dispõe
sobre o atendimento de pessoas em situação de rua no âmbito Tribunal Regional
do Trabalho da 1ª Região.
O PRESIDENTE
DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA PRIMEIRA REGIÃO, no uso de suas atribuições legais e
regimentais, tendo em vista o decidido, por unanimidade, pelo Órgão Especial, reunido em Sessão Ordinária, no dia 1º
de junho de 2023,
CONSIDERANDO a Resolução nº 425 do CNJ que
instituiu no âmbito do Poder Judiciário a Política Nacional
Judicial de atenção a Pessoas em Situação de Rua e suas interseccionalidades, visando assegurar o amplo acesso à
justiça a pessoas em situação de rua de forma rápida e simplificada com
atendimento humanizado e personalizado. Considerando a necessidade de
contribuir para a superação de barreiras que são decorrentes da vulnerabilidade
econômica e social, bem como da situação de precariedade ou ausência de
habitação;
CONSIDERANDO que a situação de rua é permeada pela
pobreza e pelo não acesso a diversos direitos garantidos constitucionalmente;
CONSIDERANDO os princípios de respeito à dignidade
da pessoa humana, da não criminalização das pessoas em situação de rua e promoção
ao acesso de direitos da cidadania e políticas públicas, dentre outros
princípios que asseguram direitos e reduzem riscos e danos físicos e sociais. Considerando
a necessidade de efetividade no acesso à justiça e a garantia de um processo
justo, bem como ao dever do Poder Judiciário de atuar como agente transformador
da realidade social, inclusive articulando entidades, órgãos e pessoas
interessadas na promoção de direitos das pessoas em situação de rua, e
CONSIDERANDO o art. 3º da CRFB, visando o objetivo
da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a necessidade de
erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais regionais
e promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor e idade, e
quaisquer outras formas de descriminação;
RESOLVE:
Art. 1º Para efeitos desta resolução, considera-se população em situação de rua, o grupo
populacional composto por pessoas de diferentes realidades que possuem em comum
a condição de pobreza extrema, vínculos familiares interrompidos ou
fragilizados e a falta de moradia convencional regular, sendo então obrigada a utilizar
as ruas, os espaços públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia, seja
de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para
pernoite.
Art. 2º Os processos que envolvam
pessoas em situação de rua neste Regional deverão ser
identificados com um chip vermelho no PJe, a fim de
que sejam garantidos os direitos e o tratamento prioritário, desburocratizado e
humanizado, devendo a abordagem observar as seguintes diretrizes:
a) Ética e respeito à dignidade,
diversidade e não discriminação;
b) Respeito à singularidade e à
autonomia na reconstrução de trajetórias de vidas, ao compromisso de ouvir e
acolher sem posturas de julgamento;
c) Observância da comunicação com
linguagem acessível; e
d) Impedimento de ações vexatórias.
Art. 3º A pessoa em situação de rua
deve ter pleno acesso às dependências de todas as Unidades deste Regional, não
podendo ser impeditivo, vestimenta e condições de higiene, ficando garantido que
o atendimento a esse público independe de prévio agendamento.
§ 1º No atendimento à mulher em
situação de rua será garantido o livre exercício da maternidade, amamentação,
além da atenção à criança que esteja sob seus cuidados.
§ 2º Deverá o setor responsável pela
segurança do Tribunal adequar seu fluxo de acesso às dependências físicas dos
prédios deste Regional para cumprimento desta resolução, observado atendimento
personalizado e humanizado a esse público, em harmonia com as práticas de zelo
a segurança de todos os usuários dos Prédios da Justiça.
§ 3º Em cada prédio do Tribunal,
deverá ser destinado local para acondicionamento provisório, quando necessário,
dos pertences de grandes volumes das pessoas em situação de rua, inclusive, carrinhos
de coleta de material reciclável, durante o atendimento no interior do prédio
da Justiça, e sempre que possível, com local e guia para prender os animais de
estimação.
Art. 4º A pessoa em situação de rua
não precisa estar de posse do seu documento de Identificação, comprovante de
residência ou qualquer outro documento relacionado ao direito que ela busca exercer
e caso se trate de criança e adolescente que procure a justiça, também não é
necessário que estejam acompanhados por um responsável.
Art. 5º Para oportunizar o exercício
do direito das pessoas em situação de rua, as Unidades deste Regional que
possuem Varas do Trabalho, devem propiciar um atendimento preliminar para prestação
de informações e resolução dos entraves do efetivo acesso à justiça, ficando
estabelecida a criação de um espaço destinado à recepção e acolhida em cada
Prédio deste Regional, Setor de Primeiro atendimento à população em situação de
rua, para exercício da escuta ativa, triagem e encaminhamentos necessários.
§ 1º Devem ser estabelecidos
procedimentos, para caso houver necessidade, de atermação,
realização de buscas de documentos de identificação civil nos Cartórios de
Registro Civil, na Central de Informações de Registro Civil de Pessoas Naturais
(CRC) e em cadastros de identificação, como a base de dados da Identificação Civil
Nacional, as bases de dados dos Institutos de identificação dos Estados e do
Distrito Federal, e outros disponíveis.
§ 2º Se houver outro documento em entidade
pública, pode haver solicitação para que o Órgão faça envio para juntada ao
processo (fase pós-processual), evitando deslocamentos da pessoa em situação de
rua.
§ 3º Caso a pessoa em situação de rua
não tenha documentos e não saiba informar o local de registro, pode haver o
encaminhamento ao Detran para realizar a identificação
datiloscópica.
Art. 6º Pode haver substituição do
comprovante de residência por um endereço de referência que faça parte da rede
de proteção social, como CRAS, CREA, Centro POP, Centro de Acolhida, Casas de
Passagem e outros locais de proteção.
Art. 7º A pessoa em situação de rua
fica isenta de custas e cobranças de despesas processuais, sendo considerada hipossuficiente.
Art. 8º Sobre a produção de provas, fica recomendada a priorização da produção da prova oral,
sobretudo o depoimento da pessoa em situação de rua para expor a sua versão dos
fatos, e caso, se trate de imigrante ou refugiado, é necessário que seja garantido
o atendimento, considerando a diferença de linguagem, podendo haver articulação
com outros órgãos da rede de atendimento, inclusive, a título exemplificativo, Agências
da ONU para refugiados e instituições afins.
Art. 9º Sempre que possível, serão
disponibilizados às pessoas em situação de rua, meios consensuais de resolução
de conflito, implementação de rodas de conversa, com
foco no incentivo ao fortalecimento dos vínculos de apoio comunitário e
familiar na fase pré-processual e processual, a
divulgação de informações como direitos e deveres, a fim de reforçar a
dignidade, autoestima e desenvolvimento de habilidades para prestigiar a
cidadania.
Art. 10. O uso de álcool e drogas ou
outras questões de saúde mental, caso sejam identificados, em processo
judicial, inclusive no caso de crianças e adolescentes, o magistrado deverá
determinar seu encaminhamento à Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do Sistema
único de Saúde (SUS), nos termos das Leis nºs
10.216/01 e 8069/90.
Art. 11. Ações de capacitação de
formação continuada de magistrados e servidores poderão ser ofertadas
pela Escola Judicial, facultada a participação de demais Órgãos do Poder Público,
bem como de segmentos da sociedade civil e de outros interessados, a fim de
disseminar a política de que trata esta resolução, destacando a atuação comprometida
contra toda a forma de violência relacionada à população em situação de rua e meios
de garantia ao efetivo acesso a essa Justiça, observando-se a autonomia da
Escola.
Parágrafo único. A
formação inicial e continuadas poderão integrar componente curricular de
visita supervisionada in loco de
grupo de servidores e demais profissionais que atuem com esse público, nas unidades
de acolhimento e outros serviços de acompanhamento às pessoas em situação de
rua, com o objetivo de garantir um maior conhecimento das condições e da
trajetória das pessoas em contexto de vulnerabilidade social.
Art. 12. Caberá a este Regional
fomentar ações itinerantes, de forma contínua e programada, podendo ser em
colaboração com outros segmentos do Poder Público e da sociedade Civil, para de
maneira ativa, ofertar às pessoas em situação de rua o alcance das diretrizes
dessa política nacional, garantindo atendimento nos locais de circulação e
permanência, bem como nos serviços de acolhimento.
Art. 13. A operacionalização de itinerância para atendimento das pessoas em situação de rua
conterá estrutura para atermação das ações, bem como
exercício da escuta ativa qualificada e encaminhamentos necessários, podendo
haver providências de solicitação do número de documento de identidade aos
Cartórios de Registro Civil e cadastro de identificação, na forma do art. 5º e
seus parágrafos.
Parágrafo único. Destaca-se que os
serviços devem ser revestidos de atitude positiva, com servidores e
profissionais amplamente capacitados, desvinculados de práticas higienistas e culpabilizadoras, para que a atenção dispensada não se
torne um instrumento de discriminação e agravamento da condição de vida dos
atendidos.
Art. 14. Deverá ser formulado guia
didático e cartilha com as principais informações de acesso à justiça as
pessoas em situação de rua, em linguagem simples e inclusiva, de forma clara,
usual e acessível, além de utilizar recursos que possibilitem o acesso por pessoas
não alfabetizadas e com deficiência visual.
Art. 15. O auxílio na implementação da Política Nacional de Atenção a Pessoas em
Situação de Rua no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região ficará
a cargo da Comissão de Atenção a Pessoas em Situação de Rua, conforme previsto
no Ato
nº 179/2022 da Presidência.
Art. 16.
Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Sala de Sessões, 1º
de junho de 2023
CESAR MARQUES CARVALHO
Desembargador Presidente do Tribunal
Regional do Trabalho da 1ª Região